Minimalismo de palco

No feriado de Carnaval, estava vendo os vídeos da semana no YouTube e, depois de assistir aos que me interessaram, dei uma olhada nas recomendações do algoritmo. Havia um “apartment tour” de Matt D’Avella, diretor daquele documentário d’Os Minimalistas que está na Netflix.

Assisti ao vídeo e resolvi entrar no blog d’Os Minimalistas, o que há muito não fazia. A dupla continua postando coisas. Entre os posts mais recentes, li o de um curso de minimalismo ou coisa do tipo. Reparei, também, que eles seguem lançando livros e que estão produzindo mais um documentário.

No mesmo dia, assisti novamente ao documentário original e isso, somado ao blog, me deixou um pouco frustrado com essa ideia de minimalismo. Talvez ela tenha saído de controle e virado outra coisa. Uma seita? Uma ironia em si mesma?

Em 1969, Theodor Adorno foi contratado para mensurar a cultura nas rádios norte-americanas. Disse ele: “Quando fui confrontado à exigência de ‘medir a cultura’, vi que a cultura deveria precisamente ser essa condição que exclui uma mentalidade capaz de medi-la”.

Para mim, o minimalismo, ou a ideia que atrai e convence tanta gente a reavaliar o consumo e a buscar mais significado em outras coisas que não produtos, passa por algo similar. A partir do momento em que vira o centro de toda uma vida, a ideia meio que perde o sentido, pois se torna, ela mesma, algo consumível — exatamente aquilo que promete combater.

Óbvio que pode ser uma impressão equivocada, já que não tenho base alguma para sustentá-la. Confio apenas em evidências anedóticas que a embasam, como o documentário ou os blogs, ou, ainda, esses cursos.

Outras questões me deixam ainda mais desconfortável com o culto ao minimalismo. Por exemplo, o maior elefante na sala de estar (asséptica e com poucos móveis): de que se trata de uma filosofia elitista, que desconsidera e jamais oferece uma variante democrática, acessível. Você já viu um minimalista pobre propagando A Palavra?

Os Minimalistas do documentário eram executivos ricos, com salários de “seis dígitos” em um país onde a renda média anual per capita é de US$ 31 mil. Todos os entrevistados, dali para cima. Um deles se prestou a dar um relato constrangedor de quando foi convidado pelo chefe para virar sócio do escritório em Wall Street, onde trabalhava e recebia um salário de (adivinhe) seis dígitos, e, confrontado pela situação, foi para a sua sala, chorou e depois saiu do prédio para nunca mais voltar. O outro se gaba de ter apenas 51 itens em duas mochilas e viver viajando, o clássico, quase caricato “larguei tudo para rodar o mundo; você pode também!”.

Um d’Os Minimalistas diz que prefere ter poucas coisas de qualidade, como um bom moletom, do que em quantidade. Muito sagaz! Como a humanidade não pensou nisso antes? Com certeza a dona Odete, diarista, mãe de seis filhos, marido desempregado, não compra bons moletons porque é uma idiota, uma “não minimalista”.

A concepção básica de minimalismo é interessante. Ela pode ser extremamente útil para nos fazer entender que o consumismo não é o único caminho, uma barreira particularmente difícil de romper com a publicidade jogando baixo e pesado para mantê-la como norma. Foi assim para mim, em 2010, quando tive o primeiro contato.

Mas o minimalismo é isso: um chamado, apenas. Um lembrete pontual que te muda e, depois de cumprida essa missão, sai de cena deixando uma nova mentalidade capaz de mudanças reais e significativas. Só que essa característica, obviamente, não funciona no capitalismo em que os próprios Os Minimalistas (e todos esses outros blogueiros) estão inseridos, então eles sempre inventam um curso, um livro, uma abordagem ou o que quer que seja para manter a roda girando.

Imagine um curso de minimalismo em que a única lição fosse “não compre o que você não precisa”. Só isso, direto e funcional. Tipo este.

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