Fui da máscara de pano para a antiviral e agora N95/PFF2. Até dezembro estarei saindo de casa com um daqueles macacões amarelos que usam em acidentes nucleares.
No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro — como bom americano — tende a ser a que mais importa. Ela é antes um viver nos outros. Foi a esse tipo humano que se dirigiu Nietzsche, quando disse: “Vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro.
A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem. Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra “desleixo” — palavra que o escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como “saudade” e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que “não vale a pena…”.
Quem poderia imaginar que 2020 nos traria uma pandemia? Eu, não. Ano passado, escrevi que meu único desejo era “falar com mais pessoas olho no olho, sem uma tela entre nós”. A ironia, pois. Tomarei cuidado com o que desejo este ano.
Tenho encarado os muitos meses de isolamento como um período em suspensão. Não aprendi a assar pão nem escrevi um livro, e negligenciei os cuidados com o corpo. Por outro lado, tive um bom ano no Manual do Usuário e pude me conhecer melhor.
Quando leio uma passagem antiga em um dos meus diários, com frequência não me reconheço nela. Nos meus 33, percebi que mesmo hoje não me conheço muito bem, nem saberia explicar como me tornei quem eu sou. Investigar isso tem sido chocante, por vezes doloroso, mas revelador. Recomendo.
A propósito, nunca olhei tanto para telas. Não me recrimino, só lamento.
A situação que vivemos, tão marcante e cruel, tem prazo para acabar. Isso conforta, dá esperança. O mundo não virará magicamente outro quando voltarmos a sair sem o receio de contrair uma doença potencialmente fatal na próxima esquina. Ainda assim, anseio por esse dia.
Há uma década (!) faço uma reflexão pública da minha vida no dia do meu aniversário. Anos anteriores: 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33.
Depois de 371 dias, cortei o cabelo. Mandei a foto no grupo da família e minha irmã respondeu: “Melhor notícia do semestre”. Ou 2020 está muito ruim (grande probabilidade), ou a situação do meu cabelo estava crítica (acho que não, mas sou minoria).
Fui fazer pastéis veganos. A receita dizia para usar farinha de trigo, mas aí tinha outras farinhas aqui e é tudo farinha, qual o problema? Não sei se foi o mix de farinhas, mas deu problema. (Porém os pastéis ficaram gostosos. Feios, mas gostosos e, talvez, mais nutritivos.)
WhatsApp não é para os fracos. Alguém jogou no grupo da família a notícia de um rapaz que se suicidou na cidade. Na mensagem, é dito que a família enlutada pediu para que não comentem a causa da morte.
Faz meia hora que estão comentando a causa da morte.
Uma vez comentei com um motorista de app que eu havia recém-chegado a Curitiba. Ele então me deu a seguinte dica para o frio: caso more em um lugar pequeno, ligar o forno e deixar ele lá, funcionando como aquecedor. Só tem que ficar atento porque pode dar ruim.