O inglês e a cobertura de tecnologia

Em resposta à última newsletter do Manual do Usuário, um leitor me disse: “Mesmo sendo fluente em inglês, incomodou-me o fato de quase todas indicações serem em outra língua. Isso não afasta um pouco o público? Estou sendo chato?”

Em primeiro lugar, não está sendo chato. Esse é, também, um incômodo meu. (Preocupo-me com essas questões, vide este post.) Quanto a afastar o público, em pesquisas passadas junto aos leitores a maioria revelou compreender bem o inglês. Ainda que esse cenário tenha se mantido, tem uma minoria que não lê em outro idioma. Então, sim, acho que afasta.

Incomoda-me muito só indicar coisas em inglês, ainda mais em um site de tecnologia. As principais empresas e novidades do setor vêm dos Estados Unidos, então há uma lógica no fato do inglês permear a cobertura, mas 1) tal influência não é exclusividade dessa área; e 2) acho que exageramos, nós, imprensa especializada em tecnologia, talvez perdendo o posto de mais colonizados apenas para os publicitários.

Às vezes, lendo sites nacionais dedicados à cobertura de tecnologia, tenho a impressão de que são escritos para brasileiros residentes em Manhattan ou San Francisco. São notícias muito locais de norte-americanos, de empresas e personagens que só importam a eles, com memes que sequer fazem sentido aqui e outros tantos detalhezinhos e detalhezões que me causam estranhamento e desconforto. O idioma é o português, mas falta brasilidade.

Uma das minhas lutas discretas à frente do Manual é desenvolver uma cobertura de tecnologia genuinamente brasileira. Atenta ao que acontece nos EUA, mas que limita o que repercute de lá àquilo que nos atinge e que de fato importe a alguém que resida no Brasil.

Tal cuidado se estende à nossa atuação em curadoria, manifesta nas newsletters. Esforço-me para buscar conteúdo nacional, em português. Não é fácil. Por aqui, faz-se muito hard news, mas pouco conteúdo de fôlego original, criativo. Faltam blogs pessoais. Nos veículos profissionais e especializados, faltam pautas malucas ou surpreendentes; falta arrojo. E as reportagens mais relevantes acabam feitas pelos jornalões ou por publicações de negócios, com seus vícios e vieses.

Sei que muitos alguns colegas do meio já me olham torto, então reforço: não estou desdenhando do trabalho deles, de vocês, mas sim pedindo para que façam mais, para que se arrisquem mais. Que sejam menos The Verge ou Engadget, porque não é como se o The Verge ou o Engadget não estivessem acessíveis a todos nós. A gente é capaz de fazer coisas tão legais quanto as que os gringos fazem e o Brasil é uma mina infinita de histórias fascinantes e de problemas a serem revelados e questionados. Não é por escassez de pautas que esse tipo de conteúdo é tão raro.

Nas últimas semanas, tenho achado ainda mais difícil encontrar conteúdo original que valha um link nas newsletters do Manual. Será a pandemia? Porque eu estou mentalmente esgotado e, por mais que tente não deixar isso “vazar” para o site, não tenho certeza se estou sendo bem sucedido. É difícil pensar em coisas diferentes estando no meio de um genocídio. Seguimos tentando.

O Manual tem um alcance limitado, porém gosto de usá-lo para promover coisas diferentes e legais. Toda quarta, abro um post para pedir indicações de leitura aos leitores. Nem todas entram nas newsletters, mas referencio o post nelas para que os inscritos leiam essas indicações colaborativas. E, fora dali, estou sempre aberto a sugestões — mande por e-mail, no Twitter, onde der.

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