"Muito Mais que 5inco Minutos": O livro da vlogueira Kéfera Buchmann

Kéfera

Kéfera Buchmann, 22 anos, nasceu em Curitiba e tornou-se uma estrela multimidiática nascida na Internet. Acumula 5,7 milhões de inscritos no YouTube, 5 milhões de seguidores no Facebook e 3 milhões de pessoas que veem suas fotos no Instagram. Já apresentou dois programas de TV, dublou a animação Big Hero 6, da Disney, e tem sua própria página na Wikipédia, de onde tirei todas essas informações.

Já tinha visto alguns vídeos do seu canal, o 5incominutos, embora confesse ter gasto mais tempo tentando entender esse jogo alfanumérico com a palavra/numeral “cinco” do que vendo os vídeos mesmo. Não gostei muito, mas é assim a vida, certo? Você topa com um monte de coisa bizarra no Twitter, vê e curte algumas, outras apenas ignora e a vida segue. É tanto meme e textão e gente querendo aparecer que não é demérito algum. Muito menos para alguém que tem 14,2 milhões de assinantes no YouTube[carece de fonte].

Lembro dela também por esta cena que renderia uma tese antropológica: adolescentes tropeçando uns nos outros, numa corrida frenética em um teatro aqui de Maringá, para ver a youtuber de perto.

Enfim. Meu interesse pela Kéfera se manifestou não com a atriz/vlogueira, mas com a escritora. Porque, além de tudo, ela publicou um livro, o Muito Mais que 5inco Minutos, pela Editora Paralela. O que essa artista do novo milênio revela naquelas páginas? Por que tanta gente está interessada no que ela escreveu? Fiz-me perguntas parecidas quando saiu Crepúsculo, e na época, em vez de fazer um vídeo xiliquento falando mal de quem curtia, dei uma lida e, ok, é ruim mesmo, bola pra frente. Com a mesma mente aberta, fui então ler o livro da Kéfera.

Logo no início, Kéfera chama sua mãe e o comediante Rafa Cortez para fazerem as apresentações. A mãe da Kéfera faz comentários genéricos de mãe e Rafa Cortez, um participante do CQC, conta uma passagem supostamente hilária que ocorreu num standup que ele e a Kéfera fizeram juntos e que deve ter sido demais, porque ele escreve “Hahaha!” umas três vezes em uma página e meia. Não sei se acredito, mas prefiro pensar que foi bom assim.

Quando a vlogueira toma a palavra, ela começa o livro em modo DEFCON 1, mandando os haters pararem de ler o livro. Tem até uma contagem regressiva com números enormes que ocupam páginas inteiras, o que achei uma boa estratégia para dar aquela inchada no total delas. Reproduzo aqui, amparado pelo fair use, as duras palavras introdutórias da nossa musa internética (grifos dela):

Este livro foi escrito para quem gosta de mim. Ou para quem quer tentar gostar. Ou quem gosta mais ou menos, mas quer me conhecer mesmo assim. Ou quem quase gostava de mim, mas em algum momento assistiu a algum vídeo meu no YouTube e achou uma bosta, porém tem um bom coração e está disposto a tentar gostar de mim de novo. Mas se você não vai MESMO com a minha cara, então…

POR QUE, meu Deus, está com o meu livro nas mãos?

Se já não gosta de mim, feche este livro imediatamente. Porque se já me odeia, vou te dar ainda mais motivos para isso.

Ah, outra coisa:

CHUUUPA! EU ESCREVI UM LIVRO!

(Se você não gosta de mim e ainda está lendo isto, é porque você é muito trouxa mesmo.)

Vi-me numa situação delicada. Não conheço a Kéfera, não acompanho o trabalho dela, tampouco tenho motivos para odiá-la. Tomei para mim a missão de ler seu livro porque fiquei intrigado com toda a repercussão que ele teve: afinal, foi o mais vendido da última Bienal. Essa chulapada antes de conhecer as travessuras da menina Kéfera me deixou um pouco intimidado.

Continuei mesmo assim.

A primeira coisa que devo dizer sobre o livro Muito Mais que 5inco Minutos é que o título é preciso. Consegui lê-lo em pouco mais de três horas, o que é, definitivamente, muito mais que cinco minutos. Ganhou pontos logo de cara pelo acerto cronológico e honestidade para com o leitor.

O que li nesse período foi a autobiografia de uma moça de 22 anos que ganha a vida falando de si mesma para uma legião de jovens nativos digitais que, além de terem trocado o cordão umbilical por um celular já conectado à Internet, contam com o incrível super poder de persuadir e torrar o dinheiro dos pais com as bobagens que veem os ~influenciadores~ do YouTube, como a própria Kéfera, vendendo em seus canais.

Kéfera nos conta — com muitos palavrões, porque ela é assim mesmo, meio rebelde — da sua curta vida até então, de como sofreu na infância por conta do seu nome incomum e do sobrepeso. Sempre deixando uma mensagem de força e solidariedade ao final dos capítulos. No Capítulo 3 ela relata uma história sobre como era má com os professores e ruim em matemática e, no final, larga o endereço de um site sobre transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O que achei um gesto muito nobre e ousado, visto que não tem absolutamente nada a ver com o que ela vinha contando. Ou… talvez tenha? Se sim, se foi intencional, meus parabéns: foi um artifício sagaz para abordar um problema sério.

Essa dissonância cognitiva se mostra com força outra vez no Capítulo 7, em que ela fala alucinadamente sobre paixões, beijos nojentos e amizades temporárias, uma profusão de clichês que, pela montagem, acaba sendo um dos pontos altos do livro — não faz lá muito sentido — e que, mais tarde, no capítulo 12, volta a ser o assunto em voga.

“Amizades passageiras não são necessariamente ruins. Podem ser legais por um tempo.”

Após o início sofrido, Kéfera dá a volta por cima, fica loira e magra e manda um TURN DOWN FOR WHAT no garoto de quem ela gostava e a rejeitava quando tinha… quantos anos? Hey, estamos falando de uma pré-adolescente. Quando tinha 11 anos, acho. Enfim. Passada essa epopeia, a partir do Capítulo 9, o livro se metamorfoseia em autoajuda. Páginas e mais páginas em que Kéfera dá uns toques para que você também, espectador do 5minutos, deixe de ser um loser. E que a vida sempre recompensa quem é do bem e faz as coisas certas e todo esse papo meritocrático que, sejamos sinceros, nem sempre funciona. Não é todo mundo que sobe uns vídeos no YouTube que fica rico e famoso, certo? Você pode, por exemplo, acabar resenhando livro de youtuber no Medium. Não se iluda.

Muito Mais que 5inco Minutos é claramente voltado a jovens naquela fase em que lutam furiosamente contra a explosão hormonal, apesar de uns lances estranhos como falar de namoradinhos aos 8 (!) anos. Kéfera fala do seu primeiro beijo, do nojo de “engolir a saliva de outra pessoa”, dos traumas e horrores desse ponto tão conturbado da vida, sempre usando a sua própria história como contexto, afinal é um livro da Kéfera, sobre a Kéfera, para os fãs da Kéfera. Isso parece invalidar qualquer assunto que não envolva o umbigo da Kéfera. Entre as páginas também aparecem umas fotos dela com o dedo indicador em riste, outras fazendo o símbolo demoníaco do rock’n’roll e algumas de um cachorro que, presumo, seja dela.

O problema (ou qualidade) do relato é que é uma história banal, dessas que qualquer roteirista júnior recém-saído do seu curso de cinema pretensioso poderia bolar — sem nem estar chapado — e, ainda por cima, contada de uma forma rasa e sem graça. Posto de outra forma, é a história de vida daquela sua prima ou irmã de 15 anos que passa dias na fila para ver o show da última cantora da Disney e gasta R$ 500 em meet & greet para desgosto profundo dos seus pais.

Ok, a quem queríamos enganar?? Você já sabia que seria isso.

Kéfera volta a alfinetar os haters no final, numa parte que deveria ser só amor: os agradecimentos. Sim, aqueles mesmos que ela expulsou do livro no começo. “Agradeço a todos que duvidaram de mim um dia”, escreve, e eu, fico meio “???”, sem saber como reagir.

Antes de terminar, a autora revela o talvez maior mistério da sua jornada: a gênese do seu canal e de onde veio aquele “5inco” do nome. É um tópico genuinamente interessante e que eu gostaria que tivesse sido mais explorado ao longo do livro. Ficou meio como um posfácio, rápido e curtinho, o que é uma pena.

Ah sim: “5inco” porque “cincominutos” já tinha dono. Outra: a exemplo de todos os vlogs, este também nasceu do ódio — no caso, das vuvuzelas. E a gente achava que o pior estrago das vuvuzelas tinha sido zoar o áudio dos jogos na Copa da África do Sul…

Foto do topo: Marcello Zambrana/Light Press.

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