Gente que não gosta de viajar

Descrever-se é difícil. Há uma linha tênue entre mostrar seu melhor lado e soar esnobe e, frente a esse dilema, não é raro nos apegarmos a clichês. “Gosto de ver filmes”, “adoro comer”, “vivo para viajar”. Quem não gosta disso tudo? Bom… eu não curto muito viajar.

Digo, até gosto, mas não faço questão, de modo que viajo quase sempre arrastado — a trabalho ou por alguém; nos últimos anos, pela P.

Em fevereiro, estivemos na Ilha do Mel (PR), uma viagem bate-volta (um fim de semana) adiada de janeiro, e em Belo Horizonte (MG), onde a acompanhei num compromisso dela. De lá, esticamos dois dias para Ouro Preto.

Foi a minha primeira vez em Minas Gerais. Na capital, ficamos na Savassi, uma região de que nunca tinha ouvido falar e que achei bastante agradável, com muitos restaurantes legais, prédios históricos, praças e tudo mais; uma atmosfera meio boêmia que deus me livre, mas quem me dera.

Fiquei intrigado com as árvores dali. Demos sorte de pegar dias ensolarados e essa combinação, não sei explicar direito, me remeteu à infância. Acho que foram o porte e as espécies de árvores, enormes e variadas, formando sombras que se impõem na paisagem e geram uma sensação de tarde de domingo na casa da vó com Clube da Esquina tocando ao fundo — esse detalhe acústico, uma liberdade poética da minha parte.

Ainda nos clichês, deliciamo-nos com muito pão de queijo, mas o café foi uma decepção: o do hotel era horrível e, ao contrário dos doces e queijos, não achamos pó à venda a preços melhores que os cobrados aqui em Curitiba. Às vezes os clichês perdem a razão de ser.

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Na última década, viagens viraram pretexto para olhar para mapas digitais. O celular tomou para si muitas atividades e rotinas que estavam espalhadas em outros dispositivos e lugares, mas não me recordo de mapas serem tão centrais em nossas vidas, ou na minha.

Até havia um no porta-luvas do carro, um negócio tão complicado que meu pai preferia pedir orientação a alguém aleatório na beira da estrada, não sem antes rodar um tempão a esmo crente de que estava no caminho certo porque homens, mas era isso. O conceito de “mapa” me era mais familiar no cinema, em filmes como os da série Indiana Jones, que no cotidiano.

Nessas e em outras viagens recentes, passei tanto tempo olhando para mapas que eles ficaram gravados na minha cabeça. Mesmo em casa, desde que abdiquei do carro próprio, consulto bastante o mapa do celular para decidir se um trajeto pode ser feito a pé (até 2, no máximo 2,5 km a depender do clima, rola) ou se pego uma carona em aplicativo ou, em tempos pré-pandêmicos, ônibus.

Em Ouro Preto, segunda parte da nossa viagem, os mapas não foram tão úteis. Qualquer “350 metros até o seu destino” se traduzia em suor e cansaço devido às ladeiras íngremes com calçamento irregular das vias. Muito bonita essa arquitetura histórica, mas não é por acaso que elas só resistem em lugares onde alguma lei mantém as coisas como eram no século XVIII.

Fora isso, Ouro Preto é uma cidade bem legal, com paisagens de tirar o fôlego, museus e igrejas fascinantes e ótimos restaurantes — comemos na Parada do Conde, O Passo, Bené da Flauta e Acaso 85.

Viajar a lazer cansa demais.

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P. costuma dizer que sou a única pessoa do mundo que não gosta de viajar. Suspeito que não seja o caso. Minha teoria é de que somos muitos, mas pouco expressivos, o que é compreensível: alguém que viaja sempre tem história para contar — até alguém que não faz questão, como eu. Já quem não gosta de viagens não fala de viagens sob o risco de se tornar monotemático e, portanto, chato.

Não que viajantes sejam sempre legais. Um grande medo que tenho é topar com alguém recém-chegado de uma viagem. Não estou só. Em Minas, comecei a ler Como escrever bem, do William Zinsser. A certa altura, dei uma boa risada com este trecho do capítulo em que o autor aborda a escrita sobre lugares:

Ninguém se transforma tão rapidamente em um chato quanto um viajante que chega em casa depois de suas andanças. Ele gostou tanto da viagem que quer logo nos contar tudo sobre ela — e “tudo” é justamente o que nós não queremos ouvir. Queremos ouvir apenas algumas coisas.

Espero não ter sido (muito) chato no meu relato acima.

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