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Morretes

Tirei o fim de semana para conhecer Morretes, no litoral do Paraná. É uma cidade curiosa; próxima ao mar, mas sem praia. E bem simpática, com muitos restaurantes convidativos, arquitetura clássica e um ritmo tão tranquilo, tão gostoso, que deu vontade de passar mais tempo lá.

Para chegar a Morretes de carro, existem dois caminhos. Um pela rodovia, com um pedágio salgado, e outro pela Estrada da Graciosa, mais lento e muito, mas muito mais bonito que o descampado batido das rodovias daqui. Quando digo “lento”, é lento mesmo — estimo que a velocidade média na ida, que é mais rápida, deva ter sido de uns 30 km/h. De qualquer forma, seria um pecado se fosse de outro jeito porque o visual da serra é deslumbrante, com suas curvas sinuosas e vegetação abundante. De quebra, há uns mirantes e quiosques pelo caminho, para parar e apreciar a vista. Não tirei fotos pois estava dirigindo (P., que foi comigo, também não), então fica só a dica de, se tiver a oportunidade, fazer esse trajeto.

Morretes é famosa pelo barreado, um prato que consiste em carne desfiada, quase derretendo, misturada a arroz branco, farinha e banana. Assim que chegamos, procuramos um restaurante para, no meu caso, conhecer a iguaria. É… bem, carne de panela bastante cozida. Gostoso, mas acho que só vale comer pela curiosidade — não é nada muito diferente da carne de panela cozida que você provavelmente já comeu na sua cidade. Estando tão próximo ao litoral, talvez valha mais a pena apostar nos pescados e frutos do mar, como fizemos à noite. O barreado foi no Bistrô da Vila, um lugar bem bonito (o clima foi generoso conosco, combinando uma temperatura amena com um Sol radiante).

Há uma feirinha no coração de Morretes, à beira do rio Nhundiaquara, que corta a cidade. A maioria das barracas vende os produtos típicos de lá: bala de banana, cachaças variadas (em especial a de, adivinhe só, banana) e uns salgadinhos de mandioca, que chamam de aipim, e de, óbvio, banana. Mas o mais legal aqui são as pessoas: as que estão vendendo, as que estão comprando e as que só estão ali, à toa. Todas na rua, reclamando com seus corpos um ambiente público, comum; formando uma comunidade.

O finzinho de tarde e a noite ali me trouxeram à lembrança passagens da minha infância, quando, em Paranavaí, essa interação entre as pessoas existia — pelo menos na minha vida. Ia à casa da vó e, lá, primos e tios se reuniam, colocavam o papo em dia. Vizinhos se juntavam. Não quero soar o neoludita aqui, mas trocamos essas interações, notoriamente mais difíceis de cultivar, mas mais saudáveis, por uma variedade meio insossa — um grupo no WhatsApp ou qualquer coisa do tipo. É como trocar uma boa comida orgânica por um industrializado qualquer: sustenta, mas tão pior…

Como toda cidade antiga, Morretes, com seus 284 anos, mantém igrejas e inúmeros prédios históricos conservados. Não só: boa parte em uso, por lojas, restaurantes e órgãos públicos. Achei uma pena que do cinema tenha sobrado só a bela fachada — ele não funciona.

No domingo de manhã, andando pelo centro, vimos um cartaz na igreja anunciando a já tradicional Festa do Maracujá. Em sua quinta edição, as atrações seriam uma missa às 11h, grande almoço no salão de festas ao meio-dia e, às 15h30, bingo animado pela banda Garrafão — rigorosamente as mesmas da quarta edição, mas quem se importa?

P. topou vencer os 21 km dali até o distrito de Sambaqui (que poderia ser o nome de um grupo de pagode). A festa era idêntica às quermesses do interior, com poucas e sutis diferenças: a variedade dos pratos era maior, tinha suco de maracujá (isso e uns maracujás pendurados no teto, na entrada, eram as únicas justificativas para o nome da festa) e não conhecia ninguém (em Paranavaí, ou na sua cidade-natal, nessas ocasiões você revê gente de todas as fases da vida, até aquelas de quem já tinha se esquecido).

Ainda deu tempo de experimentar um saboroso sorvete de gengibre na volta.

Curitiba tem muita coisa legal, um leque aparentemente infinito de opções de lazer, muita gente tocando a própria vida, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. É empolgante de uma maneira bem peculiar e te conquista de modo sorrateiro. Quando se tem a oportunidade de quebrar a rotina, especialmente em um lugar que é antítese da cidade grande, a gente valoriza o que tem no dia a dia, mas ao mesmo tempo percebe, meio estupefato, coisas importantes que fazem uma falta danada.

26/4/2018
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