“O despertar de tudo”, de David Graeber e David Wengrow

Li O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade, do David Graeber e David Wengrow, publicado pela Companhia das Letras.

O livro confronta a narrativa popularizada por escritores como Yuval Harari e Jared Diamond, herança do Iluminismo europeu, de que a invenção da agricultura, dez mil anos atrás, foi um marco na história da humanidade, o início da trajetória linear que nos trouxe ao que temos hoje: governos soberanos, agricultura intensiva, aglomerações em cidades.

Os Davids questionam o argumento de que a humanidade evoluiu numa progressão certinha, limpinha, saindo dos bandos de caçadores-coletores igualitários e politicamente inaptos para os estados capitalistas complexos que temos hoje. Questionam a própria história da humanidade como a convencionamos nos últimos dois séculos a partir das ideias de Rousseau — que, afirmam eles, na real foram inspiradas pelas dos ameríndios e suas experiências que cruzavam o Atlântico desde a invasão europeia no final do século XV.

A história, alegam com base em muitas evidências científicas, é muito mais granular: o ser humano teria se organizado de diversas formas desde o fim da última era glacial, às vezes de modo complexo e sem figuras centrais de poder, e experimentado a agricultura em diferentes intensidades e momentos antes de se ver “preso” a ela, dependente do agro.

Em seu âmago, como resume a ótima Fernanda Mena na introdução desta entrevista com Wengrow:

“[…] o livro apresenta as sociedades pré-históricas e os povos indígenas como um ‘desfile carnavalesco de formas políticas’ capazes de produzir um caleidoscópio de novas possibilidades, todas descartas pelo cânone ocidental eurocêntrico que definiu, a partir do Iluminismo, as noções modernas de liberdade, civilização, Estado e democracia.”

Talvez o texto se beneficiasse de mais concisão, porque ao final da leitura, mesmo fascinado pelos exemplos que contradizem frontal e nominalmente obras como Sapiens, do Harari, ainda não fica muito claro o porquê de termos nos “aprisionado” no (ou nos conformado com o) arranjo atual.

Os próprios autores reconhecem que, hoje, é muito difícil pensar em sistemas alternativos. E é por isso, por apresentar ao leitor formas alternativas de convivência e de pactos sociais que pelo visto funcionaram muito bem em alguns momentos da nossa história, que a leitura é tão válida. É daquelas que dão uma sensação quase física de novas perspectivas e ideias se abrindo no cérebro.

Meu agradecimento à Companhia das Letras, que mandou uma cópia de cortesia do livro.

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