Rodrigo Ghedin está digitando|

Por que você deveria doar os seus livros

Faz mais ou menos um mês, peguei um punhado de livros da estante, fui à biblioteca municipal e doei tudo. Uns 30 volumes, acho, de livros clássicos de filósofos e grandes pensadores até a coleção inteira de Harry Potter (capa dura, ainda!), além de alguns romances contemporâneos.

Ontem, numa conversa informal com amigos próximos e alguns familiares, esse assunto veio à tona e, para minha surpresa, fui execrado. Acharam absurda a minha ação, me chamaram de comunista e… bem, reprovaram sem hesitação o gesto que fiz.

Questionei o que havia de tão absurdo nisso e, principalmente, por que eu deveria manter os livros comigo — já devidamente lidos, inclusive por todos que estavam presentes. Do valor que gastei neles ao clichê de “guardar para mostrar aos filhos”, os argumentos rasos não foram muito além disso. Ah, e teve aquele terrível do “montar uma biblioteca particular é legal, fica bonito”.

Pois bem, surpresa: livros não são objetos de decoração. Ao menos, não deveriam ser. Livros são plataformas, meios de se contar histórias, para transmitir conhecimento. Aos meus filhos, caso um dia venha a ter algum, prefiro passar o exemplo do desprendimento e do bem coletivo ao do egoísmo e da ostentação. Os livros doados não sumirão da face da Terra; estarão ali, na biblioteca. Se não, outras cópias estarão espalhadas em outros cantos. Democratizar a leitura a torna mais acessível, não o contrário.

Quando eu compro um livro, não é pelo papel, pela tinta, nem pela arte da capa que dou meu dinheiro. Esses detalhes, aliás, formam a menor parcela dos custos de produção de um livro1 — e não é por acaso. Eu compro o direito de ler o conteúdo, uma história legal ou inspiradora, algum material técnico para me aprimorar e, também, recompensar o autor pelo trabalho realizado.

Tendo essa visão de livro como meio, fica fácil entender que o lugar dele não é na estante de casa, acumulando poeira. Lugar de livro é nas mãos de quem tem vontade de ler. Vou repetir de uma forma mais direta: livros foram feitos para serem lidos.

Por isso os doei. Porque lá, na biblioteca, um punhado de gente terá a mesma oportunidade que eu tive há mais de dez anos, quando peguei Harry Potter e a Pedra Filosofal para ler e, com ele, redescobri o prazer da leitura. Muitos lerão, muitos serão inspirados por esse livro doado, muitos criarão também o hábito da leitura e partirão para coisas mais complexas e enriquecedoras.

Não lembro exatamente quanto paguei pelo primeiro volume de Harry Potter, mas não deve ter sido mais do que R$ 30. “Ó, mas que caro! Sete livros… (conta conta conta) Nossa, mais de R$ 2002! E você abriu mão disso!?”. Pode ser. Eu prefiro pensar que fiz um investimento na educação e no fomento da cultura de outras pessoas. E isso não vale R$ 30; isso não tem preço.

Mas eu entendo a preocupação com a parte financeira da coisa e, particularmente, também a levo em conta. Meus rendimentos não são lá tão grandes, mas me permitem comprar livros vez ou outra sem que falte grana para outras despesas mais básicas. E é justamente por estar atualmente nessa posição privilegiada que o ato de doar deveria ser ainda menos surpreendente partindo de mim.

Ainda estou “desmontando” a minha biblioteca, pretendo doar e trocar outros tantos livros. Para não dizerem que tenho repúdio a bibliotecas, alguns poucos eu manterei comigo. Livros com um significado especial ou de referência/consulta. São poucos.

Uma boa alternativa para quem não gosta de ficar de “mãos vazias” é trocar livros por outros em sites3 como Trocando Livros, livralivro e Skoob Plus. Nesses sistemas, você doa o livro e recebe créditos por isso, os quais são usados para pedir, gratuitamente, livros de outros membros da rede. Uma grande biblioteca colaborativa, um uso maravilhoso da Internet que, “para deixar a estante bonita”, muita gente ignora.

Mas se você se inspirou e quiser doar, aí não há barreiras para esse nobre ato de solidariedade. Você pode ir à biblioteca da sua cidade, de alguma escola, nas comunitárias ou mesmo deixar o seu livro por aí — e, se for muito curioso, tentar acompanhar a jornada dele pelo BookCrossing. Falta gente para doar, mas para receber, de maneira alguma.

Só não mate seus livros deixando-os mofando em casa, na sua estante. Não faça isso, por favor.

1 Segundo esse link, um livro de 112 páginas custa R$ 1,50 por exemplar numa tiragem de mil. Quanto maior a tiragem, mais barata a impressão. De qualquer forma, note que mesmo num livro “independente” a impressão é o de menos — lembre-se que antes mesmo de iniciar o processo está o maior custo: o do trabalho do autor.

2 Levando em conta a “inflação” que Harry Potter sofreu com a estreia no cinema, o custo final deve ter sido maior. Os três últimos livros comprei no lançamento e, bem me lembro, a valores bem salgados, perto dos R$ 50.

3 Já enviei livros pelo Trocando Livros. O livralivro me pareceu bastante sério, alguns meses atrás recebi um email do idealizador do site. E o Skoob é velho conhecido, escrevi sobre ele (a porção rede social) no Meio Bit e, na ocasião, conversei com alguns dos administradores do site. Enfim, todos recomendados!

4/6/2011
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