Qual a utilidade de um tablet?

Li certa vez que você não deve, em uma análise de produto, escrever ao seu leitor que “só dá para entender usando”.

É lógico se pararmos para pensar: a análise serve para orientar possíveis compradores e/ou interessados sobre as capacidades, recursos, fraquezas e destaques do objeto em questão. Se a pessoa encarregada dela joga para o leitor a responsabilidade de determinar esses pontos, o artigo perde completamente a sua razão de ser.

Mesmo tendo essa regra como um dos nortes nas análises que escrevo, é bem difícil falar sobre tablets sem quebrá-la. Só usando dá para ter ideia de como é a sensação de ter uma tela grande e responsiva sob seus dedos.

Outro alguém de quem também não me recordo disse que tablets são uma singela ruptura no muro que separa o hoje do futuro. É bem por aí mesmo, eles são uma amostra do que será a computação do amanhã.

Tentando explicar o inexplicável

Caixa do iPad sendo aberta.

Mesmo com a dificuldade, vou tentar.

Há alguns meses minha irmã questionou o tablet. “É legal e tal, mas eu uso o computador para pouca coisa, não teria muita utilidade”, disse ela. Engraçado, porque é justamente esse o perfil que mais se beneficia tendo um.

A resposta padrão que tenho para quem me pergunta o que esperar de um tablet é “tudo”. Em um computador tradicional você pode esperar inovações e criatividade dos desenvolvedores, mas em um nível muito, muito menor. O estilo de interação WIMP (“windows, icons, menus, pointer”) impera há décadas e está praticamente esgotado em termos de inovação. Por outro lado, interfaces naturais (mais sobre isso abaixo) são novas na computação doméstica, ainda têm um vasto campo para melhorar, para absorver e lapidar ideias. Visitar a área de novos apps da App Store semanalmente é correr o risco de se deparar com novidades geniais, encantadoras.

Quando comprei o meu tablet, um iPad 2 Wi-Fi com 16 GB de espaço, foi para ler deitado. Eu poderia fazer isso com um notebook como de fato vinha fazendo com meu antigo netbook, um Lenovo X100e, mas o formato é estranho, o peso era maior e eu não conseguia manuseá-lo com uma mão só, sem falar na eternamente contestada ergonomia desse tipo de portátil. Em suma, era desconfortável, e a palavra oposta a essa tem muito peso quando se fala em tablet. É sempre um deleite arrastar dedos na tela de um.

Claro que hoje eu não uso o iPad apenas para ler. Ele é uma excelente máquina de jogos geniais e viciantes, a melhor plataforma para consumir conteúdo interativo, um navegador web bem competente, uma tela individual para assistir a vídeos sem igual. E pode ser muito, muito mais coisas, depende apenas da minha disposição em procurar apps e da dos desenvolvedores em explorar o que a plataforma oferece, não necessariamente nessa ordem. E, repito, ainda há um latifúndio de espaço para evoluções e revoluções.

Em suma, o tablet é uma folha em branco onde pessoas criativas e incríveis despejam o seu melhor. O que é esse melhor? Vejamos.

Explorando interfaces naturais

A computação foi pautada, até alguns anos atrás, por dois padrões de interface conhecidas por abreviaturas: a CLI e a GUI.

A primeira foi Command Line Interface, ou interface por linha de comando, e… bem, não há muito o que discutir aqui, trata-se da velha fonte monoespaçada branca sobre um fundo preto. O MS-DOS, o terminal de sistemas *NIX. Embora haja quem consiga tirar leite de pedra e fazer arte com isso, sem falar nos sysadmins que esbanjam flexibilidade e controle somente escrevendo nessas telas escuras, é uma interface limitadora ao usuário comum.

A GUI (acima), Graphical User Interface ou interface gráfica de usuário, melhora as coisas. Ganhamos um mouse em paralelo ao teclado e elementos animados, visuais, familiares ou, como é mais comumente dito, metafóricos ao mundo real. É o Windows, o OS X, o Linux com algum gerenciador de janelas instalado. Uma GUI convida o usuário a explorar — daí a existência, até hoje, de tantos assistentes, guias e documentação de ajuda mesmo em sistemas modernos.

A gente se vira bem com as interfaces gráficas, mas dá para melhorar. A próxima etapa dessa evolução são as NUIs, ou Natural User Interface. O exemplo-clichê de NUI é o de Tom Cruise balançando os braços em frente a telas holográficas no filme Minority Report.

Até alguns anos atrás era preciso recorrer à ficção para demonstrar um caso de uso; hoje, não mais. Este vídeo é de um projeto que tenta reproduzir os gestos de Tom Cruise usando um Kinect com drivers abertos disponibilizados pela comunidade bem antes de a Microsoft oferecer as ferramentas oficiais de desenvolvimento.

A gente ainda vive um período de transição, então as duas coisas, GUI e NUI, podem ser confundidas. Todavia, as características básicas das NUIs já podem ser experimentadas e a diferencia, com contornos grossos, do modelo anterior. Tudo se resume a ser intuitivo. Pegou e começou a usar sem dificuldades, com comandos naturais a seres humanos? Parabéns, você está com um pé no futuro. Minha afilhada de três anos brinca com o iPad numa boa — ela sabe até usar os gestos multitouch para voltar à tela inicial. É disso que estou falando.

As principais formas de interação em uma NUI são:

Dessas, talvez a única ainda não explorada ostensivamente em escala industrial seja a última. Para toques nós temos smartphones e tablets; gestos, o Kinect do Xbox 360; e fala, a Siri do iPhone 4S.

O simples fato de ser natural torna a experiência mais divertida e mais fácil. Você não precisa ensinar alguém a usar o iPad ou como brincar na frente de um Kinect. Siga seus instintos, vá lá. É natural e, justamente por isso, fascinante.

A tecnologia ainda engatinha nessa área, motivo pelo qual o reconhecimento de voz do Siri não funciona como no comercial e vê-se tentativas sacanas de inserir interfaces naturais visivelmente mal acabadas em produtos mainstream. De qualquer forma, faz parte do processo; o Ford Model T não era tão bom quanto um Ford Mustang contemporâneo, houve muita evolução entre os 104 anos que separaram os lançamentos de um e outro.

Os desenvolvedores ainda brincam com o iPad (ninguém parece estar muito interessado em tablets Android, mas essa é outra discussão). O próprio equipamento ainda é tímido no uso do seu potencial. Mesmo assim já surgem coisas bem bacanas, como o “puxar para atualizar” e os gestos inovadores do Clear, um app simples de lista de tarefas para iPhone.

Tal qual nossos pais viram os computadores saírem da tediosa linha de comando para as interfaces gráficas, hoje a gente tem o privilégio de acompanhar o nascer comercial das interfaces naturais. É o futuro e, da mesma forma que ainda hoje CLI e GUI convivem, a NUI não é exclusiva.

Teclado e mouse ainda têm vez

Não fosse minha irmã ter dito que usa muito seu notebook para escrever, um tablet lhe seria uma recomendação tranquila e com baixa probabilidade de erro. Boas em muitas coisas, tem uma porém em que essas tábuas sensíveis a toques se embananam lindamente.

A tela sensível a toques é ótima para uma série de ações, não para digitar. Isso dá uma boa pista sobre onde o computador tradicional perseverará: em tarefas fortemente dependentes da digitação.

Não me vejo trabalhando em um tablet justamente pela natureza do que eu faço. Escrever nesse tipo de tela é incômodo e o nível de erros, bem elevado. Outras formas de inserção de dados podem suprir essa lacuna (voz?), mas no estágio atual e pelo menos a médio prazo, nada supera a agilidade e a precisão de um teclado físico.

É por essas e outras (jogos hardcore, editoração, edição profissional de áudio/vídeo/fotos) que o modelo atual, aquele baseado em WIMP, não deve sumir tão cedo. E é essa necessidade, acima de modinhas e do que o futuro reserva, que me faz temer tanto o direcionamento que sistemas primariamente usados em desktops e notebooks estão tomando. O OS X está cada vez mais iOS, o Windows 8, cada vez mais Windows Phone. O lado bom disso tudo é que o suporte ao Windows 7 foi estendido para 2020. Na pior das hipóteses…

O que pode acontecer (e eu aposto nisso) é uma inversão de posições entre computadores convencionais e tablets, esses se tornando máquinas primárias e aqueles, de nicho, para certos profissionais e entusiastas. O agnosticismo da Internet, a computação ubíqua são elementos-chave da chamada “Era Pós-PC”, novo doce na boca dos executivos de grandes empresas de TI. Papo para outro post.

Afinal, por que eu deveria comprar um tablet?

Na realidade você não deveria comprar um tablet. Está longe de ser um equipamento essencial, ao contrário do que alguns gurus de tecnologia pregam, e nem é lá uma boa ferramenta de trabalho, ainda que cada vez mais eu me depare com apps de produtividade incrivelmente competentes e, no meu workflow, na leitura e na busca de pautas e referências o iPad se mostre especialmente bom.

Então, a pergunta a ser feita é “por que você talvez queira comprar um tablet?” Assim soa melhor.

A resposta? Porque é a plataforma computacional mais divertida inventada até hoje.

É, eu sei… 1500 palavras para resumir tudo em diversão. Parece bobo, muito provavelmente é bobo, mas se você tem uns trocados para gastar em um luxo material, o iPad talvez seja o mais completo disponível hoje. Ele é video game, TV, biblioteca, enciclopédia, guia dos curiosos, enfim, ele é tudo o que você quiser e os desenvolvedores, muitos deles, já tiverem criado ou futuramente criarem.

Este texto não é uma tentativa de vender tablets, mas sim uma longa resposta a uma pergunta quase inocente feita por alguém próximo e que, tenho certeza, está na mente de muita gente ainda. Tablets são caros e com exceção do iPad, todos ainda muito ruins em entregar uma experiência decente. Esse cenário tende a mudar com o tempo, mas enfim, eis as razões pelas quais um cidadão médio, hoje, adquire uma dessas tábuas mágicas. Elas são bastante divertidas.

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