Querido diário

Ontem, numa conversa de bar, o assunto “diário” surgiu e, quando questionado, respondi que tenho um.

Eu tenho um diário.

Já faz nove anos e, se quer saber, recomendo fortemente a todos que criem o hábito e mantenham suas experiências reduzidas a texto. Imagino que seja como a terapia, que nunca fiz, só que sem as partes mais inquietantes — gastar uma nota e compartilhar sua intimidade com um estranho.

We all have secrets.

Com o tempo, o diário se torna uma fonte de recordações, uma prova viva de evolução como pessoa. Às vezes releio coisas de quase uma década atrás e me questiono se aquele cara deslumbrado com a primeira namorada, indeciso e fazendo besteiras nas suas escolhas acadêmicas e cuidando do hobby que mais tarde viraria trabalho sou eu mesmo. É uma profusão de sensações e nostalgia indescritível e, até onde sei, inalcançável de outra forma.

É, também, uma ótima forma de descarregar a mente, refletir e tomar decisões. Pesquisando sobre o tema, encontrei este artigo que, além de listar dez motivos fundamentados para se ter um diário, acaba com um estigma comum, o do “querido diário, hoje fiz isso, isso e aquilo”; não é bem assim:

“Em geral, as pessoas resistem a manter um diário porque elas pensam que não são boas escritoras o bastante, que alguém lerá seus pensamentos mais profundos [mais sobre isso abaixo] ou que têm coisas mais importantes para fazer.

Mas em vez de pensar num diário como um diário — um livro no qual você meramente relata os eventos do dia —, pense nele como uma caixa selada para auto-reflexão, auto-expressão e auto-exploração. Recontar os eventos do dia é menos relevante que o ato de expressar seus pensamentos. E escrever reflexões sobre os eventos experimentados todo dia é uma maneira inestimável de avaliar seu desempenho, definir padrões elevados de excelência e encontrar novas maneiras de resolver problemas difíceis.”

Além do desenvolvimento pessoal, como alguém que lida profissionalmente com a escrita ter um diário me ajuda a manter o hábito e aperfeiçoar o manejo com as palavras. Tudo bem que já faço isso, de uma forma ou de outra, nas publicações com as quais colaboro; mas a escrita íntima é diferente. É mais difícil. Instiga a mente, te desafia a ser ousado, a escrever sem medos ou receios. É quase libertadora.

Be you, Find you. Be happy with that.


Quase 512 anos de Brasil e o ar ainda está contaminado de preconceito e estereótipos, dos mais declarados aos enraizados e tidos comuns, como o “azul para menino, rosa para menina”. As pessoas são maliciosas, do tipo que veem duplo sentido até onde não tem, tiram conclusões perversas de ações inocentes, coisas assim. Muitos acham que diário é coisa de menina adolescente que sonha com o cantor do momento.

Ahn… não, não é bem assim. E não estou sozinho ao ressaltar as vantagens e o auto-conhecimento desencadeados por essa solitária atividade. Acompanho de longe (o meu é offline) o Penzu, uma plataforma online de diário, e eles têm algumas páginas destinadas a mostrar as vantagens da atividade, bem como pessoas inspiradoras que mantinham os seus arquivos pessoais. Kurt Cobain, Anne Frank, Christopher McCandless (do filme/livro “Into the Wild”) são alguns exemplos. No cinema, ainda tem Evan, do celebrado “Efeito Borboleta” — e, poxa, eu desejei muito poder voltar às situações dos meus rabiscos quando assisti ao filme. Há tantos outros, homens, velhos, famosos, anônimos, com seus diários… Pessoas mais completas por causa deles, certamente.

Never sacrifice who you are just because someone has a problem with it.

Claro que, ontem, virei motivo de chacota no bar pela minha declaração. Faz parte, faz parte… Eu poderia mentir, a noite seguiria da mesma forma só que sem as piadas, mas quer saber? Não tenho vergonha disso. Sequer um pingo. Não é um diário que define a minha sexualidade; as duas coisas não têm relação alguma. Gente que acha que diário é coisa de menina é o mesmo tipo de gente que acha que homem que é homem não usa camisa cor-de-rosa e lugar de mulher é na cozinha. Retrógrados. E mesmo que fosse o caso, qual o problema?


Se o meu relato lhe animou a começar um diário também, tenho certeza que a primeira coisa que passou pela sua cabeça foi o “…mas e se alguém ler?” É o maior medo de quem mantém um documento assim.

When was the last time you did something for the first time?

Felizmente a tecnologia está aí para nos ajudar. Tem o já citado Penzu, que é online, e soluções ainda mais seguras. A que eu uso? Documentos do Word protegidos com criptografia pesada num disco oculto, tudo com a ajuda do TrueCrypt. Ainda que esses dados sejam roubados de alguma forma, a pessoa interessada levaria algumas décadas ou até séculos para quebrar a proteção usando força bruta. E, sinceramente, meus segredos não valem tanto esforço.

Escrevi um tutorial sobre como criptografar arquivos com o TrueCrypt. Se quiser uma camada extra de segurança, o próprio Word fornece um sistema de criptografia embutido que, nas últimas versões, tornou-se mais robusto. A Microsoft ensina como colocar senha neles. As recomendações são não anotar a senha em lugar algum, escolher uma forte e aleatória (ou seja, que não conste no dicionário) e da qual você se lembre, pois a mesma dificuldade que um xereta teria em quebrá-la, você também terá caso a esqueça.


Se você faz algo legal, que lhe faça bem e não importune os outros, mas que alguns reprovam ou tiram sarro, não ligue para esses. As piadas de ontem sobre o meu diário eram que isso é “coisa de menininha” e tudo mais, ou seja, além do diário em si, o próprio sarro encerra outro preconceito muito comum. E bem bobo, tanto que basta ignorá-lo – e isso nem é difícil.

Fuck what they think.

Sou e sempre fui muito seguro quanto à minha sexualidade e não vejo problema algum em manter um diário, logo, por que deveria me incomodar ou mentir? Para parecer machão na frente de amigos e desconhecidos? Nah… Meu eu de nove anos atrás certamente teria vergonha, talvez até mentiria. Sei disso porque dia desses reli meu diário de outrora e, cara… como eu era bobo.


As belíssimas imagens que ilustram este post vêm do I Can Read, um tumblr delicioso.

« Próximo post Post anterior »