Rodrigo Ghedin está digitando|

Cheiro de manga podre

Quando venho ao interior, à minha cidade natal, gosto de calçar os tênis de corrida e andar a esmo pela cidade.

É um exercício duplo, físico e nostálgico. Uma desculpa para revisitar sem pressa lugares onde cresci, ou que frequentava enquanto crescia.

Mesmo numa cidade pequena, são surpreendentes as mudanças e a frequência delas. E, talvez por uma infeliz coincidência ou algum viés obscuro agindo em mim, tenho a sensação de que boa parte dessas mudanças são para pior.

Neste ano, por exemplo, a praça de alimentação ao ar livre da praça central, antes composta por trailers, ganhou uma estrutura em alvenaria gigantesca. (Apesar do prognóstico, ainda não dá para julgar porque não está finalizada.)

O velho cinema de rua, após anos abandonado, foi transformado em mais uma igreja.

A pizzaria mais antiga de que me recordo, local de refeições especiais na infância, com uma pintura aleatória na fachada do Don Corleone/Marlon Brando comendo pizza, pelo visto não resistiu à pandemia e fechou. O prédio está para alugar.

A sorveteria tradicional, que tinha uma frente ampla ao ar livre, cheia de mesas e cadeiras, foi completamente fechada e virou uma extensão ou qualquer coisa relacionada a uma faculdade EAD.

Apesar disso, algumas coisas boas não mudam.

Ver pessoas no fim de tarde cuidando dos seus jardins, regando plantas sob o calor escaldante que faz aqui, traz paz, uma aura meio bucólica. É algo que associo ao interior. Tem isso na capital, sim, mas talvez a “densidade” de pessoas cuidando de jardins seja maior longe dos grandes centros?

Nas andanças deste ano, chamou-me a atenção também o contraste entre casas velhas e novas, as primeiras às vezes de madeira, e, mesmo quando de alvenaria, com uma estética datada; as novas com aquele visual de shopping, ângulos retos, “minimalistas”, desalmadas.

Até do cheiro de mangas podres, que por essa época sobe forte perto das mangueiras que resistem nas ruas, vindo dos muitos frutos espalhados no chão, eu gosto. Faz aflorar memórias de outras épocas.

Dia desses o telejornal local exibiu uma reportagem explicando que agora é proibido plantar árvores frutíferas nas calçadas, em locais públicos. O cheiro de manga podre na rua, no verão, está com os dias contados.

1/1/2023

Uma pauta que devia acabar nos telejornais…

Uma pauta que devia acabar nos telejornais é a das pessoas que passam dias/semanas em filas para comprar ingressos para o show de um artista famoso. É palco pra maluco e… bom, já existe um negócio aí chamado “internet” em que dá para comprar coisas sem sair de casa.

8/12/2022

“Golpe do emprego faz diversas vítimas em várias partes do país”, no Domingo Espetacular

Homem branco, de barba e cabelo curto, vestindo camiseta preta, com um monitor grande, uma ring light e uma palmeira ao fundo. No CG, “Rodrigo Ghedin, Jornalista”.

Concedi entrevista ao dominical da Record. (Apareço a partir dos 9min36s.)

4/12/2022

“Estamos preparados para o fim do Twitter?”, na revista Gama

Fui fonte na reportagem do Leonardo Vieira sobre o (possível) fim do Twitter.

4/12/2022

“A internet virou um grande shopping”, no Sh*ft Festival

Palco, com duas mulheres sentadas em poltronas e um telão atrás, onde aparece um homem branco, de barba e cabelo curto, usando um headset grande.

Foto do @juromelo/Twitter.

3/12/2022

Lifestyle creep

Quando se ganha mais, a tendência é que o padrão de vida melhore e o que antes era tido como luxo vire necessidades percebidas, ou seja, quando o aumento nos gastos acompanha o aumento de receita. Existe um termo para esse fenômeno (não encontrei tradução): “lifestyle creep”.

20/11/2022

Choquei

O perfil Choquei, do Twitter, é uma piada que saiu do controle. Tipo quando a galera começou a falar “top” na ironia, de zoeira, e aí não conseguia mais parar e passou a falar “top” a sério para tudo.

18/11/2022

Quebrar o dente comendo pipoca, um dos meus…

Quebrar o dente comendo pipoca, um dos meus alimentos favoritos, é quase como ser traído por um grande amigo.

Sempre que dá algum BO nos meus dentes eu penso muito na nossa desigualdade. Qualquer procedimento dentário é uma facada no bolso (hoje foi mais uma). E a galera que não tem de onde tirar (a maioria de nós)?

Aí volto a esta matéria da Rosana Pinheiro-Machado, das coisas mais impactantes que já li na vida, e penso ainda mais. E penso. Fico com o dente zoado e um tanto deprimido.

É foda.

16/11/2022

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A grande mudança em minha vida no último ano foi voltar a dividir um teto com outra pessoa. Havia quase uma década que morava sozinho. A adaptação teve alguns solavancos, mas tem sido gostoso morar com a P.

A pandemia deu mais um susto no começo do ano, com pessoas próximas — em todos os sentidos — contraindo covid-19. Eu, como que por milagre, sigo invicto, de acordo com os vários testes rápidos que fiz desde então. Até quando, não sei.

O ano foi de muita expectativa e algumas decepções profundas decorrentes da política institucional. Depois da negligência criminosa durante a pandemia, imaginava que seria fácil nos livrarmos de Bolsonaro. Não foi. Onde erramos?

As feridas desse período ainda estão abertas. Espero que um dia elas cicatrizem, mas não sem que antes Bolsonaro pague por tudo o que fez. Sem revanchismo; é uma questão de justiça.

A vitória de Lula veio carregada de sentimentos potentes, como alívio e esperança. Daqui em diante, porém, torço para que “presidente” volte a ser um assunto menos presente na minha vida, nas nossas vidas.

Publiquei um zine, ou um livrinho impresso, em papel. Meu site/projeto, o Manual do Usuário, segue autossustentável e sou grato por tê-lo e por tanta gente lê-lo. Em meio à cacofonia ensurdecedora da internet, o Manual é um espaço quase exótico onde posso me expressar e abrir espaço para que outros se expressem. Uma raridade, um privilégio.

No último ano, acho que passei a me resignar menos, a me impor um pouquinho mais frente a situações em que, no passado, eu deixaria de lado, por medo ou aversão a conflitos. Não encaro isso como sintoma de um recrudescimento generalizado (embora possa ser também), nem é como se eu tivesse virado alguém combativo da noite para o dia, mas tenho corrido mais riscos, ciente de todas as muitas limitações que tenho (e alheio a outras tantas que desconheço, mas devo ter também) e das consequências.

Há 12 anos faço uma reflexão pública da minha vida no dia do meu aniversário. Anos anteriores: 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.

8/11/2022

“O despertar de tudo”, de David Graeber e David Wengrow

Li O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade, do David Graeber e David Wengrow, publicado pela Companhia das Letras.

O livro confronta a narrativa popularizada por escritores como Yuval Harari e Jared Diamond, herança do Iluminismo europeu, de que a invenção da agricultura, dez mil anos atrás, foi um marco na história da humanidade, o início da trajetória linear que nos trouxe ao que temos hoje: governos soberanos, agricultura intensiva, aglomerações em cidades.

Os Davids questionam o argumento de que a humanidade evoluiu numa progressão certinha, limpinha, saindo dos bandos de caçadores-coletores igualitários e politicamente inaptos para os estados capitalistas complexos que temos hoje. Questionam a própria história da humanidade como a convencionamos nos últimos dois séculos a partir das ideias de Rousseau — que, afirmam eles, na real foram inspiradas pelas dos ameríndios e suas experiências que cruzavam o Atlântico desde a invasão europeia no final do século XV.

A história, alegam com base em muitas evidências científicas, é muito mais granular: o ser humano teria se organizado de diversas formas desde o fim da última era glacial, às vezes de modo complexo e sem figuras centrais de poder, e experimentado a agricultura em diferentes intensidades e momentos antes de se ver “preso” a ela, dependente do agro.

Em seu âmago, como resume a ótima Fernanda Mena na introdução desta entrevista com Wengrow:

“[…] o livro apresenta as sociedades pré-históricas e os povos indígenas como um ‘desfile carnavalesco de formas políticas’ capazes de produzir um caleidoscópio de novas possibilidades, todas descartas pelo cânone ocidental eurocêntrico que definiu, a partir do Iluminismo, as noções modernas de liberdade, civilização, Estado e democracia.”

Talvez o texto se beneficiasse de mais concisão, porque ao final da leitura, mesmo fascinado pelos exemplos que contradizem frontal e nominalmente obras como Sapiens, do Harari, ainda não fica muito claro o porquê de termos nos “aprisionado” no (ou nos conformado com o) arranjo atual.

Os próprios autores reconhecem que, hoje, é muito difícil pensar em sistemas alternativos. E é por isso, por apresentar ao leitor formas alternativas de convivência e de pactos sociais que pelo visto funcionaram muito bem em alguns momentos da nossa história, que a leitura é tão válida. É daquelas que dão uma sensação quase física de novas perspectivas e ideias se abrindo no cérebro.

Meu agradecimento à Companhia das Letras, que mandou uma cópia de cortesia do livro.

7/11/2022
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