“A internet virou um grande shopping”, no Sh*ft Festival
Painel “A internet virou um grande shopping”, no Sh*ft Festival 2022 →
Foto do @juromelo/Twitter.
por Rodrigo Ghedin
Painel “A internet virou um grande shopping”, no Sh*ft Festival 2022 →
Foto do @juromelo/Twitter.
Quando se ganha mais, a tendência é que o padrão de vida melhore e o que antes era percebido como luxo vire necessidades percebidas, ou seja, quando o aumento nos gastos acompanha o aumento de receita. Existe um termo para esse fenômeno (não encontrei tradução): “lifestyle creep”.
O perfil Choquei, do Twitter, é uma piada que saiu do controle. Tipo quando a galera começou a falar “top” na ironia, de zoeira, e aí não conseguia mais parar e passou a falar “top” a sério para tudo.
Quebrar o dente comendo pipoca, um dos meus alimentos favoritos, é quase como ser traído por um grande amigo.
Sempre que dá algum BO nos meus dentes eu penso muito na nossa desigualdade. Qualquer procedimento dentário é uma facada no bolso (hoje foi mais uma). E a galera que não tem de onde tirar (a maioria de nós)?
Aí volto a esta matéria da Rosana Pinheiro-Machado, das coisas mais impactantes que já li na vida, e penso ainda mais. E penso. Fico com o dente zoado e um tanto deprimido.
É foda.
A grande mudança em minha vida no último ano foi voltar a dividir um teto com outra pessoa. Havia quase uma década que morava sozinho. A adaptação teve alguns solavancos, mas tem sido gostoso morar com a P.
A pandemia deu mais um susto no começo do ano, com pessoas próximas — em todos os sentidos — contraindo covid-19. Eu, como que por milagre, sigo invicto, de acordo com os vários testes rápidos que fiz desde então. Até quando, não sei.
O ano foi de muita expectativa e algumas decepções profundas decorrentes da política institucional. Depois da negligência criminosa durante a pandemia, imaginava que seria fácil nos livrarmos de Bolsonaro. Não foi. Onde erramos?
As feridas desse período ainda estão abertas. Espero que um dia elas cicatrizem, mas não sem que antes Bolsonaro pague por tudo o que fez. Sem revanchismo; é uma questão de justiça.
A vitória de Lula veio carregada de sentimentos potentes, como alívio e esperança. Daqui em diante, porém, torço para que “presidente” volte a ser um assunto menos presente na minha vida, nas nossas vidas.
Publiquei um zine, ou um livrinho impresso, em papel. Meu site/projeto, o Manual do Usuário, segue autossustentável e sou grato por tê-lo e por tanta gente lê-lo. Em meio à cacofonia ensurdecedora da internet, o Manual é um espaço quase exótico onde posso me expressar e abrir espaço para que outros se expressem. Uma raridade, um privilégio.
No último ano, acho que passei a me resignar menos, a me impor um pouquinho mais frente a situações em que, no passado, eu deixaria de lado, por medo ou aversão a conflitos. Não encaro isso como sintoma de um recrudescimento generalizado (embora possa ser também), nem é como se eu tivesse virado alguém combativo da noite para o dia, mas tenho corrido mais riscos, ciente de todas as muitas limitações que tenho (e alheio a outras tantas que desconheço, mas devo ter também) e das consequências.
Há 12 anos faço uma reflexão pública da minha vida no dia do meu aniversário. Anos anteriores: 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34 e 35.
Li O despertar de tudo: Uma nova história da humanidade, do David Graeber e David Wengrow, publicado pela Companhia das Letras.
O livro confronta a narrativa popularizada por escritores como Yuval Harari e Jared Diamond, herança do Iluminismo europeu, de que a invenção da agricultura, dez mil anos atrás, foi um marco na história da humanidade, o início da trajetória linear que nos trouxe ao que temos hoje: governos soberanos, agricultura intensiva, aglomerações em cidades.
Os Davids questionam o argumento de que a humanidade evoluiu numa progressão certinha, limpinha, saindo dos bandos de caçadores-coletores igualitários e politicamente inaptos para os estados capitalistas complexos que temos hoje. Questionam a própria história da humanidade como a convencionamos nos últimos dois séculos a partir das ideias de Rousseau — que, afirmam eles, na real foram inspiradas pelas dos ameríndios e suas experiências que cruzavam o Atlântico desde a invasão europeia no final do século XV.
A história, alegam com base em muitas evidências científicas, é muito mais granular: o ser humano teria se organizado de diversas formas desde o fim da última era glacial, às vezes de modo complexo e sem figuras centrais de poder, e experimentado a agricultura em diferentes intensidades e momentos antes de se ver “preso” a ela, dependente do agro.
Em seu âmago, como resume a ótima Fernanda Mena na introdução desta entrevista com Wengrow:
“[…] o livro apresenta as sociedades pré-históricas e os povos indígenas como um ‘desfile carnavalesco de formas políticas’ capazes de produzir um caleidoscópio de novas possibilidades, todas descartas pelo cânone ocidental eurocêntrico que definiu, a partir do Iluminismo, as noções modernas de liberdade, civilização, Estado e democracia.”
Talvez o texto se beneficiasse de mais concisão, porque ao final da leitura, mesmo fascinado pelos exemplos que contradizem frontal e nominalmente obras como Sapiens, do Harari, ainda não fica muito claro o porquê de termos nos “aprisionado” no (ou nos conformado com o) arranjo atual.
Os próprios autores reconhecem que, hoje, é muito difícil pensar em sistemas alternativos. E é por isso, por apresentar ao leitor formas alternativas de convivência e de pactos sociais que pelo visto funcionaram muito bem em alguns momentos da nossa história, que a leitura é tão válida. É daquelas que dão uma sensação quase física de novas perspectivas e ideias se abrindo no cérebro.
Meu agradecimento à Companhia das Letras, que mandou uma cópia de cortesia do livro.
“O que ler agora?” indica livros sobre o mundo assombrado pela tecnologia →
Irinêo Baptista Netto e Rogério Galindo comentam o zine Outros jeitos de pensar a tecnologia e o livro O inimigo conhece o sistema, de Marta Peirano, no podcast O que ler agora?.
A prefeitura trocou o sistema de emissão de notas fiscais eletrônicas. Não só perdi meia manhã aprendendo o novo (que, sem surpresa, é pior que o antigo), como descobri que estava devendo umas taxas aleatórias desde 2016.
Rodrigo Ghedin escreve sobre tecnologia com coragem e honestidade →
Crítica do Irinêo Baptista Netto do zine Outros jeitos de pensar a tecnologia no jornal Plural.
Mesmo com Lula ganhando a eleição amanhã, os estragos causados pelo bolsonarismo permanecerão entre nós por muito tempo: o das políticas públicas, à coletividade; e o das relações interpessoais.
O que mais me doeu nesta corrida eleitoral foi ver pessoas próximas, queridas e bondosas, serem hipnotizadas por um sujeito perverso e mitômano que conseguiu capitalizar um sentimento primal — o ódio irracional ao PT/à esquerda — para impor sua agenda de retrocessos.
Eu não acredito que todo bolsonarista seja perverso tal qual Bolsonaro é, mas no calor do momento, quando vejo um post mentiroso ou apenas cruel publicado em redes sociais por conhecidos ou parentes, é difícil fazer essa distinção.
Sinto-me rodeado de pessoas que achava que conhecia, de pessoas que se revelaram ou desatentas com o que está acontecendo, ou insensíveis com o que está acontecendo. Grave, de qualquer modo.
Amanhã, com entusiasmo e esperança, começaremos o trabalho de restauração do contrato social, desse negócio chamado Brasil. Não será fácil, mas não há alternativa se quisermos ter alguma chance de futuro.
O primeiro passo dessa árdua jornada será apertar “13” na urna eletrônica neste domingo.
E tenho fé de que, lá na frente, quando os sigilos de 100 anos forem quebrados, quando as pequenas e grandes corrupções forem devidamente investigadas, quando a necropolítica que nos arrasou nos últimos anos for exposta, você, que hoje apoia essa tragédia chamada bolsonarismo, reconhecerá o gigantesco equívoco que cometeu. #paz